Essa é uma pergunta muito comum quando alguém chega pra estudar comigo: “eu nunca levei jeito, não sei se vou conseguir aprender violino” e essa questão me ocupou durante um bom tempo na minha vida, tanto eu como músico quanto depois como professor. Tenho refletido muito a respeito pra entender melhor esse delicado e polêmico tema.
A resposta curta pra pergunta é: não, não precisa de talento pra aprender violino. Você não precisa ser uma pessoa talentosa pra aprender a tocar sua música preferida no violino e é possível você aprendê-la se continuar a estudar por tempo suficiente.
Essa é uma resposta honesta e verdadeira — a não ser que você queria aprender algo dificílimo, como alguns caprichos de Paganini, Wieniavsky, Sarasate…
Na minha experiência, o talento, ou a tal facilidade, agilidade pra aprender algo na música ou no violino, não tem essa importância toda. Veja bem, eu não estou dizendo que não exista, mas que é superestimado, entende?
A pessoa ter feito um esporte que exige coordenação motora como natação, dança, luta é um diferencial que muitos nem imaginam, mas ajuda no aprendizado do instrumento. É como se parte do caminho já estivesse pavimentado pro violino. Ou seja: é como se a pessoa tivesse aprendido a ter talento no violino ao longo dos anos na academia.
Mas se você nunca praticou por anos alguma atividade física que exija coordenação motora, não significa que será impossível: como eu disse acima, talento é superestimado, bem superestimado. Dando aulas há cerca de 20 anos eu digo: talento com certeza não está no top 3 das coisas mais importantes pra aprender o instrumento.
Como eu não sou o tio do pavê, não farei a piada que a primeira coisa que precisa é um violino, pois isso pra mim é óbvio, até porque custa cerca de R$ 1000 um violino que serve muito bem a um iniciante por alguns anos (mas ele dura por décadas).
Como eu não tenho uma conclusão de qual seria A MAIS importante, falarei numa ordem aleatória: um bom professor, com uma metodologia clara, que tenha um bom passo a passo, uma boa estrutura pedagógica, que entenda os porquês de cada exercício, saiba como aplicar em cada aluno é uma das coisas mais importantes na vida de um aluno.
A segunda coisa que falarei é da sua dedicação diária, aqueles 20 minutos por dia com seu violino, você fazendo isso de segunda a segunda, sem falhar nas férias, nas visitas de família, nos dias de desânimo, quando está pouco inspirado. Se você for bem constante, vai evoluir, é certeza. Não importa quanta dificuldade tenha, se tiver o seu bom professor e essa dedicação diária, vai evoluir.
A seguinte é bem conectada à anterior e eu vejo que é uma habilidade difícil de aprender mas decisiva pra se tornar um profissional, por exemplo, ou mesmo você economizar: tempo, energia, paciência, alegria. É a qualidade do estudo, saber estudar cada música, sacar qual tá sendo o gargalo ali, onde está errando, como está sendo o erro, e colocar em prática um exercício pra solucionar aquela dificuldade. Se a pessoa aprende isso, vai se frustrar menos e gastar menos tempo pra resolver as dificuldades.
Essas duas características anteriores, na minha experiência, é o verdadeiro talento a ser buscado pelo aluno.
Por último, mas não menos importante, é a permanência: de nada adianta ser constante, ter bom professor, estudar bem se não permanecer estudando por vários anos. Os frutos não se colhe depois de meses, mas com o acúmulo dos anos: é assim que vai conseguir aprender um concerto de Mozart, por exemplo. A não ser que tocar uma música assim não te interesse, nenhum problema com isso; mas se quiser, não vai ser do zero em seis meses que terá alcançado nível pra um Mozart.
Os alunos mais avançados, que tocam concertinos, demoraram pelo menos três anos estudando para chegar a esse nível. Nenhum deles conseguiu em um ano. O Paulo estuda comigo há mais de três anos, antes de mim, estudou cerca de um ano. Já a Cecília estuda há alguns meses comigo, mas estudou durante alguns anos com outros professores. Observe o quanto de trabalho acumulado tem na música que fazem, enxergue a persistência, o cuidado; não é questão de talento.
Aliás, o talento que eu mais elogio nos alunos é o saber estudar: eu passo uma tarefa e o aluno traz na aula seguinte com alta qualidade, por mais simples que seja o pedido. Isso não é muito comum: as pessoas não têm ânimo, energia, concentração, paciência, disciplina para estudar; aguardam estarem animadas para fazerem algo. Desse jeito, vai levar cinco anos pra começar a tocar com uma afinação boa… imagina esperar ânimo pra lavar louça, botar roupa pra lavar, trocar roupa de cama: nunca iria fazer.
Se você merece cama limpa, não merece também tocar bonito?!
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Rodrigo Marin, 13/10/2023
